A recente aprovação da Emenda Constitucional nº 116 (DOU de 18/02/22) desperta, no mínimo, a curiosidade de quem lida com os assuntos tributários no dia a dia.
Referida Emenda alterou o Art. 156, da Constituição Federal, para fins de determinar que o IPTU não seja mais exigido nas situações em que os templos de qualquer culto alugam imóvel de terceiro. A alteração visa desonerar as Igrejas do encargo relativo ao IPTU que, por regra econômica, é repassado pelo locador (proprietário do imóvel) ao inquilino (igreja) via contrato locatício.
Evidentemente que não se nega a importância da imunidade tributária sobre os templos de qualquer culto, como forma de garantir o direito fundamental à liberdade de crença/religião. A imunidade objetiva evitar que o Poder Público, através da tributação, possa limitar o pleno exercício desse direito. Destaca-se que esta norma, já prevista em Cartas anteriores, restou positivada também na Constituição de 1988 (art. 150, VI, “b”).
Pois bem, ocorre que, no caso do IPTU, o sujeito passivo é o proprietário do imóvel (ou quem detém a posse ou seu domínio útil). Na locação, portanto, a Igreja não é a proprietária do bem alugado. Justamente por esta razão, a jurisprudência vinha entendendo que não havia legitimidade para os templos discutirem a cobrança de IPTU sobre imóveis que locavam. A solução encontrada, mas uma vez, foi alterar a Constituição Federal.
A par de outros vícios que possam ser apontados, a Emenda nº 116/22 criou uma situação jurídica questionável ao determinar que o IPTU “não incide sobre templos de qualquer culto, ainda que (...) sejam apenas locatárias do bem imóvel” Isto porque acaba por estender a imunidade ao terceiro. Misturam-se conceitos e institutos consolidados no Direito tributário.
Sabidamente, as regras de imunidade (sempre previstas na Constituição) servem como delimitadores do Poder de tributar. Acabam por definir o efetivo alcance do poder de instituir tributos. Uma vez concedido este Poder à União, aos Estados e aos Municípios, cabe a cada um instituir o tributo dentro da competência prevista.
Por esta razão, não nos parece válido que se crie – ainda que por Emenda constitucional - uma regra de imunidade que altere a própria sujeição passiva da relação tributária (que foi definida previamente a partir das regras de competência da Constituição Federal). Na prática, a obrigação tributária do proprietário (de pagar o IPTU ao Município), que surge com a ocorrência do fato gerador, será “alterada” quando o inquilino for um templo de qualquer culto. Não obstante o constituinte derivado tenha o poder de alterar regras da Constituição, tal prerrogativa não é ilimitada, conforme já decidiu o STF.
Em termos jurídicos, talvez o melhor teria sido continuar com a forma anteriormente praticada, em que cada Município decidia pela concessão, ou não, de benefícios fiscais de IPTU às referidas situações. Afinal a competência é do Ente Municipal.
Certamente a alteração ora noticiada trará consequências junto ao mercado de locação envolvendo Igrejas. Presumível, também, que o Judiciário deverá ser instado a se manifestar sobre a validade desta Emenda Constitucional.